Ensaio de dobro de carga em cintas têxteis
Desmistificando esta prática enganosa com base em normas e evidências
A segurança na movimentação de cargas é de suma importância e o ensaio de dobro de carga é uma prática estabelecida para acessórios metálicos como cabos de aço, ganchos e manilhas. Contudo, a aplicabilidade deste método às cintas têxteis sucinta questões devido às diferenças fundamentais entre os materiais.
Para acessórios metálicos, normas como ABNT NBR 13545:2012 e EN 13889:2009 (manilhas), EN 1677-1:2009 (acessórios Grau 8), ABNT NBR 15516-1 (corrente Grau 8) e ABNT NBR ISO 16798:2006 (Anel de Carga) especificam ensaios de deformação: permitem uma variação dimensional máxima de 1% após a aplicação da ‘carga de prova’ (o tal dobro de carga). Esses ensaios são fundamentais para validar a integridade estrutural destes acessórios.
Cada tipo de aço, com suas propriedades bem definidas, permite uma análise detalhada e previsível utilizando aplicativos de modelagem 3D e engenharia de cálculo. Estas ferramentas facilitam a criação de desenhos mecânicos, análises e simulações, possibilitando projetar e prever a tensão que o material suportará. Essa base sólida para a aplicação de ensaios de deformação contrasta significativamente com as cintas têxteis, cuja elasticidade e comportamento sob carga não seguem os mesmos padrões.
Usualmente, quando solicitado, a Tecnotextil conduz testes em cintas de outros fabricantes enviados por nossos clientes, onde evidenciamos corriqueiramente a problemática do ensaio de dobro de carga.
Um exemplo claro é ilustrado em um vídeo de 2017 (primeiro vídeo abaixo): a cinta é projetada para CMT de 2.000 kg mas rompe com apenas 7.900 kg, obtendo um FS efetivo de 3,95 (quase 4:1). Mesmo sendo uma cinta não conforme – é ofertada com FS de 5:1 e nem este valor (abaixo do normativo FS de 7:1) consegue alcançar – ela passaria tranquilamente no ensaio de dobro de carga.
Em ensaio mais recente de 2023 (abaixo), conseguimos verificar ainda mais claramente: no minuto 3:42 do vídeo, é alcançado o dobro de carga e a cinta está em perfeito estado de conservação (é possível atestar pelo gráfico de deslocamento, uniforme). Por fim, esta cinta também não passou no teste: rompeu com 30.554 kg onde deveria suportar no mínimo 35.000 kg.
E ainda temos um agravante: além de não refletir a conformidade, a aplicação do teste de dobro de carga em cintas têxteis compromete sua integridade. A norma NBR 15637 é clara em seu item B.3.2.3 “Não ultrapassar o limite da CMTE” e 6.2.1 “O material têxtil não pode ser pré-tensionado ou usado antes do ensaio”. A prática do ensaio de dobro de carga em cintas contradiz o próprio princípio de validação, onde a cinta que deveria ser “validada” já foi na verdade “invalidada”, sofrendo uma degradação antes mesmo de entrar em operação – fato que, em caso de sinistros, certamente será utilizado pelo fabricante em seu favor.
E por que então este ensaio não funciona e ainda aprova cintas de má qualidade? A resposta está na elasticidade: após um força aplicada de apenas 2 x a CMT a cinta terá um comportamento elástico, isto é: vai alongar e retrair. Curiosamente, é justamente em materiais de menor qualidade agregada (tenacidade, durabilidade, resistência química etc.) que haverá ainda mais elasticidade, como em cintas de poliamida e polipropileno que passariam ainda mais facilmente neste tipo de ensaio.
Tudo isto sublinha a inviabilidade de aplicar metodologias de teste de deformação projetadas para materiais metálicos em cintas têxteis. O ensaio de dobro de carga, embora relevante para acessórios metálicos, em cintas têxteis só tem uma função: validar para uso cintas potencialmente não conformes e causar uma perigosíssima falsa sensação de segurança!
Mais um caso de uma cinta que em termos de norma alcançou 43% do mínimo, considerando os 5:1 ofertados (ERRADO) mesmo assim não alcançou o mínimo, atingindo 60%. Era uma cinta “ANEL” de CMT 8t.
Parece piada: segundos depois de alcançar o dobro de carga (https://youtu.be/JCyPPvblG1U?&t=201), com 17t a cinta apresentou dano. Foi “por pouco”, mas é mais um exemplo de cinta que se ensaiada pelo dobro de carga, passaria!
Trabalho em uma base da Petrobras, e surgiu uma dúvida sobre as cintas planas , quantas vezes uma cinta com capacidade para 10 toneladas pode içar essas 10 toneladas? A dúvida surgiu pelo fato de perceber que depois de algumas vezes içando 10 ton , as mesmas já apresentava estresses , costuras com sinal etc.. creio q deve ter um limite para expor a cinta para trabalhar na sua capacidade máxima
A sua dúvida sobre quantas vezes uma cinta pode içar a carga é muito válida. No entanto, não há uma resposta exata, já que a vida útil de uma cinta têxtil não pode ser definida de forma “arbitrária”. Ela depende de fatores como a forma de utilização, manuseio, periodicidade de uso e adequação à aplicação.
Tudo isso é explicado em mais detalhes neste FAQ: https://www.tecnotextil.com.br/faq/qual-o-tempo-de-vida-util-das-cintas-planas-ou-tubulares/. Vale a pena conferir!
Respondendo mais diretamente à sua dúvida: depende, Erisnando! É por meio de inspeções periódicas que essa utilização será definida. Por exemplo, se você realiza inspeções semestrais e percebe que “sempre a cinta estraga antes da segunda inspeção”, reduza para inspeções mensais. Assim, você pode descobrir por exempo que “sempre no quarto mês de uso” a cinta apresenta sinais de desgaste, permitindo definir uma troca trimestral.
Outros FAQs relacionados:
– https://www.tecnotextil.com.br/faq/qual-e-a-hora-certa-de-descartar-o-produto/
– https://www.tecnotextil.com.br/faq/e-possivel-consertar-cintas-danificadas/